da noite, muito tranquila, apenas vozes distantes.
sentei-me no granito, ainda quente do dia, e esperei.
à minha frente, Imensa como só ela sabe ser, a minha antiga Faculdade. hoje, silenciosa como sempre, está transformada na Reitoria da UP.
as memórias rasgam em catadupa o granito marcado. quartzo, feldspato e mica transtornam-me o olhar num pedacinho de oceano que tento esconder do mundo.
não passou assim tanto tempo.
e no entanto.
estou tão diferente.
estamos tão diferentes.
[depois, num repente, percebo: o essencial permanece. não estou diferente. sou a mesma, de uma outra forma. sou a mesma, sendo diferente.]
e eis que eles se aproximam, roupas pretas como o silêncio. vozes animadas, de repente, reúnem-se em torno do granito. Anima Mea.
e no fim do concerto, ela. sorriso aberto e passo miúdo. fala-me das filhas, uma biológica, duas adoptadas muito recentemente. fala-me dos traumas escondidos, dos esgares de agressividade que não sabe entender. fala-me da mais nova, nos seus quatro anos. do seu grave atraso cognitivo. da percepção estranhamente absurda do corpo humano. da mentira. da perseguição. dos instintos. da fúria da raiva da dor. da fúria. da raiva. da dor. e de tudo isto me fala com um sorriso. um olhar sereno. para concluir, numa humildade intocável, que precisa de ajuda. que vai consultar um psicólogo. e sorri outra vez. e eu, cada vez mais pequenina, cada vez mais amarfanhada. onde, meu deus, onde é que alguém aprende a ser tão Grande? tão Maior do que si mesmo?
[dizes: optimismo intrínseco. não concordo. é mais do que isso. é mais do que acreditar que, no fim, tudo correrá bem. é acreditar que, mesmo que não corra, o amor permanece. o essencial permanece.]
viro costas ao granito, à saudade. cresço e volto a crescer, mas o mundo continua bem Maior do que todos os meus horizontes.